July 10, 2020

Quanto dinheiro você perde com o conflito de interesses?

Por Fernando Tempel

Esse é o terceiro artigo da série iniciada a partir da briga entre Itaú e XP, e os problemas no modelo de atendimento dessas empresas para seus clientes. Você pode ver o 1º artigo da série nesse link e o 2º artigo nesse outro link.

Tanto XP, como Itaú tem o problema do conflito de interesses (assim como todos os demais grandes bancos), com a remuneração dos seus gerentes e assessores ligadas a benefícios que vão contra o melhor interesse dos seus clientes.

Nesse artigo vamos mostrar o quanto esse conflito de interesses pode custar para você, como investidor, se ouve as recomendações de gerentes ou assessores. Leia, pois você vai se surpreender com o enorme custo que isso pode ter. Provavelmente é muito mais do que você imagina.

O custo do conflito de interesses

É muito difícil precisar qual o custo do conflito de interesses. Não existem estudos conclusivos sobre o tema. Para isso precisaríamos que diversos investidores (algumas centenas, pelo menos) investissem seguindo a orientação de um profissional que tem conflito de interesses (o gerente do banco ou assessor de investimentos) e depois investissem a mesma quantia seguindo a orientação de um profissional sem conflito de interesses (um consultor ou analista de investimentos), para comparar os resultados obtidos. Além disso, os profissionais não poderiam saber que estavam fazendo parte de um teste. E esse teste deveria ser realizado por alguns anos (idealmente uns cinco), afinal em períodos curtos (um mês ou mesmo um ano) a sorte poderia ter um impacto muito forte no resultado do experimento. Ou seja, não temos como dar uma resposta precisa do custo do conflito de interesses.

Mas uma forma interessante de avaliar esse custo é observando fundos de investimentos. Alguns fundos cobram a taxa de performance, de modo que quanto maior é o retorno que eles geram para seus clientes, maiores são os ganhos do próprio gestor do fundo, em uma situação de alinhamento de interesses. O que fizemos então foi comparar esses fundos com outros que não cobram a taxa de performance, e que por isso não tem alinhamento de interesses.

Em primeiro lugar separamos os fundos de ações de bancos e corretoras e os consideramos como fundos com conflito de interesses, uma vez que a indicação desse investimento normalmente parte ou de um gerente de banco ou de um assessor de investimentos, situações em que existe um conflito de interesses. Depois analisamos os fundos de gestores independestes separando-os em dois grupos: aqueles que cobram taxa de performance foram considerados com alinhamento de interesses, e os que não cobram essa taxa compuseram o grupo que chamamos de ausência de conflito (mas sem alinhamento também). Se quiser entender melhor essa classificação você pode ler o 2º artigo da série, onde explicamos melhor o que elas significam. No gráfico abaixo você encontra os resultados desse exercício:

Ao observar o gráfico fica claro o enorme impacto que as situações de conflito de interesses podem causar. Enquanto os fundos oferecidos por bancos e corretoras, considerados com conflito de interesses, apresentaram retorno de apenas 18% no período (muito abaixo da média do mercado, representada pelo IBrX-100), os fundos com alinhamento de interesses geraram um retorno expressivo de 159%. É mais do que o dobro da média do mercado, de 69% no período.

Para ilustrar isso em termos práticos, um investidor que investisse R$ 100 mil no início de 2006, em fundos considerados com conflito de interesses, teria um ganho de R$ 18 mil no fim de 2015. Já o mesmo investimento feito em fundos com ausência de conflito teria gerado um ganho de R$ 94 mil. Uma diferença enorme. E se o mesmo investimento fosse realizado em um fundo com alinhamento de interesses o ganho seria de impressionantes R$ 159 mil.

Acho que a análise deixa bem claro que fugir do conflito de interesses pode ter um impacto enorme no resultado dos seus investimentos. E pior, ouvir conselhos de quem tem conflito de interesses pode ter um custo altíssimo. No caso, os investidores estariam melhor (muito melhor) apenas seguindo a média do mercado, algo que poderiam fazer facilmente apenas comprando um ETF.

Limitações da análise

Obviamente a análise tem suas limitações e não é perfeita, uma vez que existem outros motivos para o desempenho dos fundos, além da situação de conflito de interesses. A habilidade dos gestores, a obrigação de utilizar estratégias específicas, liquidez e resgates, além de outros fatores também impactam no resultado. Apesar dessas limitações, a análise deixa claro que em um longo período de tempo (10 ano, no caso) e comparando fundos com incentivos diferentes, aqueles onde os gestores tem alinhamento de interesses geram um retorno muito superior.

Se não podemos afirmar qual é a perda que um investidor tem por entrar em situações de conflito de interesses, o que os números deixam claro é que elas tem sim um grande custo para o investidor, e que situações de ausência de conflito ou de alinhamento de interesses tendem a gerar retornos muito maiores.

Quando comparamos os fundos de gestores independentes e que não cobram taxa de performance (ausência de conflito) com os fundos também de gestores independentes, mas que cobram taxa de performance (alinhamento de interesses), podemos ver uma grande diferença de resultados. Ou seja, só o fato de alinhar interesses tende a gerar retornos significativamente maiores.

Vale ainda dizer que parte da diferença de resultado vem do fato de que os fundos com ausência de conflito tinham uma taxa de administração média de 3,37% ao ano, contra 1,99% dos que tem alinhamento de interesses (e 1,98% dos com conflito de interesses). Ou seja, parte da diferença entre os fundos com alinhamento de interesses e os com ausência de conflito vem dessa taxa muito mais alta.

Reduzindo o conflito de interesses

Quando analisamos os fundos geridos por bancos e corretoras, separando entre aqueles que cobram taxa de performance e os que não cobram, criamos um 2º grupo que chamamos de conflito com taxa de performance. Os resultados podem ser vistos abaixo:

O que vemos é que mesmo os fundos geridos por bancos e corretoras, quando cobram taxa de performance (e consequentemente geram um alinhamento de interesses com os clientes) tendem a performar muito melhor.

Essa análise é muito interessante, em primeiro lugar pois ela deixa clara a diferença de performance que o alinhamento de interessas traz, tanto para fundos geridos por bancos e corretoras como por fundos geridos por gestores independentes. Com isso, só temos mais evidências de que existe sim um grande custo nas situações de conflito de interesses e que você deve evitar elas.

Mas outra análise interessante é que quando bancos ou corretoras se colocam em situações de alinhamento de interesse com clientes, o ganho para os clientes é claro. Isso deixa claro que nossas críticas aos bancos e as corretoras está no modelo de incentivo de seus funcionários, e não nas instituições em si. Acredito que bancos e corretoras nunca prestarão um serviço tão bom como de analistas e consultores independentes, pois o conflito de interesses inerentes a prestar o serviço e indicar os produtos sempre existirão. Mas eles podem melhorar e muito (o que de fato já tem acontecido, com a pressão que a competição das corretoras trouxe e a abertura das plataformas dos bancos para produtos de terceiros).

E vale reforçar o ponto que fizemos no 1º artigo da série, onde dissemos que apesar dos conflitos de interesses, os clientes que migraram seus investimentos dos grandes bancos para as corretoras foram beneficiados pela maior quantidade de bons produtos disponíveis. Há alguns anos (quando essa análise foi realizada) bancos vendiam apenas produtos próprios, o que excluía fundos de gestores independentes, que como vimos, mesmo sem alinhamento de interesses geraram resultados muito superiores no período (e com alinhamento de interesses resultados melhores ainda). Assim, vale dizer que quando assessores de investimentos tem bons produtos para oferecer, mesmo com o conflito de interesses a tendência é que eles façam indicações melhores. Não é a situação ideal, mas tende a ser melhor ouvir um assessor do que um gerente de banco.

Para finalizar essa série pretendemos ainda fazer um artigo com as principais falácias do mercado financeiro, para você ver algumas formas que o mercado vende algo que parece ser muito bom, mas que de fato não é. Para ser informado sobre novos artigos, cadastre-se na nossa newsletter.

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