July 6, 2020

O melhor aconselhamento para o investidor

Por Fernando Tempel

Na semana passada aproveitamos a briga entre XP e Itaú para discutir os modelos que essas empresas tem para atender seus clientes, como investidores, e seus principais problemas. Se quiser ler o primeiro artigo dessa série clique nesse link.

Nossa conclusão foi que ambos os modelos tem o grande problema do conflito de interesses. Nesse artigo vamos nos aprofundar na discussão sobre conflito de interesses e discutir as formas mais eficientes de você receber aconselhamento de investimentos, sem conflito de interesses.

Aconselhamento e opções de investimentos

Ao analisar o mercado financeiro, seus investimentos e o que é melhor para você, é necessário avaliar diversas dimensões diferentes para que você encontre a melhor opção. Não adianta olhar apenas uma única dimensão e procurar o melhor naquilo, pois ele pode ser ruim em outras partes do processo de investimento e não te trazer o melhor resultado possível.

Na questão do aconselhamento de investimentos, a principal razão da briga entre Itaú e XP, você deve olhar duas dimensões: conflito de interesses e opções de investimentos.

Quando falamos de conflitos de interesses estamos falando do incentivo que quem te aconselha tem de buscar as melhores opções de investimentos para você. Basicamente existem três níveis: conflito de interesses, ausência de conflito e alinhamento de interesses.

Conflito de interesses são situações onde quem te aconselha tem mais a ganhar com opções que não são as melhores para você. O profissional de investimentos nessa situação pode até indicar os melhores investimentos para você, mas se fizer isso ele não obtém o melhor resultado para ele mesmo. Ou seja, é uma situação onde os incentivos de quem te aconselha são contrários ao que é melhor para você. O conflito de interesses ocorre principalmente em situações onde você não paga diretamente quem te aconselha, como gerentes de bancos, assessores de investimentos (os famosos agentes autônomos de investimentos – AAI) além de corretores de valores.

A ausência de conflito significa que quem te aconselha não tem nenhum incentivo contrário aos seus interesses, embora também não tenha nenhum incentivo de remuneração para te trazer ganhos maiores. Pode não parecer muita diferença, mas já é um ganho enorme em relação as situações de conflitos de interesse. As situações onde você paga diretamente pelo conselho do profissional são as mais comuns onde temos ausência de conflito. Nesse caso estão os analistas e os consultores de investimentos independentes.

No caso de consultores e analistas, é importante destacar a palavra independentes. Isso significa que eles trabalham para empresas não ligadas a bancos e nem a corretoras, o que diminui o potencial conflito de interesses. É importante entender isso, pois bancos e corretoras costumam ter analistas e consultores trabalhando para eles. Nesse caso, as recomendações tem risco de ter conflito de interesses também. Por exemplo, se o bônus do consultor ou analista está ligado ao lucro do banco, existe um potencial conflito de interesses, sim (por mais que bancos e corretoras vão tentar te convencer do contrário).

Consultores e analistas são profissionais cadastrados na CVM (não aceite conselho de quem não seja) ou em entidades licenciadas por ela. Analistas publicam relatórios com recomendações de investimentos (como os que publicamos na Ohr), que costumam ser mais genéricas, adequadas para os investidores em geral, enquanto consultores analisam seu perfil e fazem uma recomendação específica para os seus objetivos.

Consultores parecem ser uma opção mais interessante, pois a recomendação é específica para você. Mas esse serviço mais personalizado tem um custo elevado. Relatórios são muito mais acessíveis (na Ohr mesmo temos relatórios por menos de R$ 10), de modo que são recomendados para quaisquer investidores. Já a consultoria tende a ser mais cara. Imagine que um consultor cobra R$ 500/mês. Nesse caso ele custa R$ 6.000 por ano. Como recomendamos que você não gaste muito mais do 1% do valor investido com o aconselhamento, é necessário ter um patrimônio investido de pelo menos R$ 600 mil para que o custo do consultor seja adequado.

Obviamente o custo da consultoria varia de um profissional para outro, mas provavelmente você não vai encontrar um bom profissional por menos de R$ 1.000/ano. Assim, consultoria só faz sentido para quem tem patrimônio elevado, e só tende a ser vantajosa mesmo com patrimônios acima de R$ 1 milhão. Se encontrar um consultor muito barato (ou grátis), desconfie.

Finalmente chegamos as situações de alinhamento de interesses, onde quem presta o serviço para você ganha mais conforme você ganha mais. Ou seja, ele tem um benefício por te trazer o melhor resultado possível. O exemplo mais óbvio de alinhamento de interesse é dos fundos de investimentos que cobram taxa de performance. Por exemplo, fundos de ações onde o gestor ganha 20% do que superar o Ibovespa. Nesse caso, o gestor tem um incentivo financeiro (bem forte) de buscar gerar um resultado acima da média para seus clientes. Se ele bate a média do mercado (no caso o Ibovespa) é bom para o cliente e bom para ele também, que ganha mais (as vezes muito mais) com isso.

Mas vale dizer que gestores de fundos não fazem serviço de aconselhamento de investimentos (normalmente, a não ser que você seja um multimilionário). Atualmente é muito difícil (se não impossível) encontrar aconselhamento de investimentos nessas condições, até por que a regulamentação costuma proibir consultores e analistas de receberem comissões ou taxas de performance (o que é um grande erro, na minha opinião). Alinhamento de interesses é a situação ideal para o investidor, desde que os ganhos de quem presta o serviço não sejam exagerados, pois é onde o prestador do serviço tem maior incentivo para prestar um bom serviço, o que costuma gerar resultados muito melhores para o cliente (veremos mais no próximo artigo dessa série).

A 2ª dimensão que você deve avaliar sobre quem te aconselha investimentos é relativa as opções de investimentos que esse profissional tem para te oferecer. Também dividimos as opções em 3 níveis: apenas produtos próprios, produtos de terceiros com limitação e todo o mercado.

Quando falamos de produtos próprios estamos falando, por exemplo, de um banco que só vende seus próprios produtos. Nesse caso ele venderia apenas fundos, CDBs, etc do próprio banco. Ou seja, o seu escopo fica muito limitado, e geralmente sem boas opções. Se você ouve indicações de investimentos do gerente do banco, essas indicações ficam limitadas aos produtos oferecidos pelo banco. Aqui era onde estavam os grandes bancos há alguns anos (o Itaú inclusive).

No 2º grupo temos aqueles que tem produtos próprios ou de terceiros disponíveis para indicar, mas com limitações. Nesse caso um bom exemplo é a XP, de quem falamos no artigo anterior. Nesse caso, além de ter produtos próprios também existem produtos de terceiros, como fundos de outras gestoras ou CDBs de outros bancos. Com isso, as opções são maiores, de modo que quem te aconselha tem muito mais opções para indicar, o que aumenta a possibilidade de haver bons produtos nas opções disponíveis, e consequentemente você receber boas indicações de investimentos.

E finalmente temos a melhor opção para o investidor, que é quem te aconselha ter todos os produtos disponíveis no mercado para indicar. Dessa forma, você não perde boas oportunidades porque o banco A ou a corretora B não trabalham com esse produto. Nesse caso ficam de fora todos aqueles que são ligados a um banco ou uma corretora, que sempre limitam as suas recomendações aos produtos oferecidos pelo banco ou corretora. Aqui entram principalmente as empresas de investimentos independentes, que são as casas de análise e as consultorias (de quem já falamos) além dos escritórios de private banking, que atendem multimilionários.

O mercado de investimentos nas dimensões analisadas

Para entender melhor como funciona a dinâmica do mercado criamos uma matriz com as duas dimensões que acabamos de explicar, e posicionamos os principais tipos de empresas que provem aconselhamento de investimentos, de acordo com a nossa opinião, é claro.

A matriz tem no eixo vertical as situações de conflito de interesses, sendo a pior (conflito de interesses) a mais em baixo e a melhor (alinhamento de interesses) a que fica em cima. Já no eixo horizontal temos a pior opção (apenas produtos próprios) mais a esquerda e a melhor (quaisquer produtos) a direita. Com isso fica fácil ver que o ideal é estar na parte azul da matriz, no quadrante mais alto e mais a direita. E que o pior aconselhamento vem da parte vermelha (mais embaixo e a esquerda).

Plotamos as bolas de acordo com o tamanho dos mercados atendidos e em branco aqueles serviços disponíveis para o público em geral. Já em cinza são os serviços disponíveis apenas para grandes investidores.

Além disso, colocamos em amarelo os fundos de investimentos que cobram taxa de performance, apenas como um exemplo do que é ideal para o investidor, já que eles têm alinhamento de interesses e a possibilidade de investir em quaisquer produtos que desejarem, mas como já falamos, não costumam prestar serviços de aconselhamento para investidores.

Para começar, vale a pena falar da maior bola de todas, os grandes bancos. Se essa análise fosse feita há alguns anos eles estariam completamente no pior quadrante, com conflito de interesses e apenas produtos próprios. Isso tem mudado, com produtos de terceiros sendo oferecidos, mas ainda assim a oferta não é igual para todo o mercado e nem tão profunda como a das corretoras.

A direita temos a bola das corretoras, que tem uma gama grande de produtos, o que as diferencia dos bancos, mas ainda tem a mesma situação de conflito de interesses. Já é uma grande evolução e ajudou muito investidores a ter acesso a opções melhores. Esse mercado é o que está sendo chamado de investimentos 2.0, que seria uma evolução do modelo 1.0 dos bancos (embora podemos dizer que hoje os bancos estão se movendo para um modelo 1.5).

Olhando acima das corretoras temos uma bola bem pequena, dos investimentos automatizados (ou por robôs), que seria o modelo 3.0 de investimentos, sendo a evolução das corretoras. Nesse modelo temos algo muito parecido com a consultoria de investimentos, só que as recomendações são feitas por um sistema (o tal do robô) com base no perfil e outras informações do investidor/cliente. Essas empresas costumam cobrar uma tarifa fixa, e não ser remuneradas por produtos vendidos, de modo que o conflito de interesses é eliminado. Mas elas costumam ser ligadas a uma corretora (ou ser uma corretora), de modo que as opções de investimentos ficam limitadas aquelas disponíveis a corretora com a qual estão ligadas.

E finalmente, a direita temos a última bola disponível para o pequeno investidor, das casas de análise (ou casas de research) e consultorias independentes. Nesse caso, além da ausência de conflito de interesses, também existe a vantagem de as recomendações não ficarem limitadas aos produtos oferecidos por uma única corretora, tendo o mercado todo (inclusive internacional) disponível para o investidor.

A conclusão que chegamos é que o aconselhamento do investidor é muito melhor quando ele não é feito por bancos ou corretoras (o Itaú estava certo em criticar a XP e vice-versa), mas sim ou por recomendações de consultorias ou casas de análise de research ou por robôs de investimento automatizado.

As consultorias e casas de análise ainda tem a vantagem de ter todos os produtos disponíveis, enquanto os robôs ficam limitados aos produtos oferecidos pela corretora a qual eles estão ligados. Mas, por outro lado, os robôs tem uma grande vantagem quando falamos de praticidade, já que o investimento é automático. Ou seja, a melhor recomendação possível vem de consultores ou analistas independentes, mas os robôs tem vantagem na praticidade de investir, que deve tomar muito menos tempo seu.

Vale a pena falar ainda dos private bankings, que são por onde os milionários investem (boa parte desses exigem um patrimônio de no mínimo R$ 10 milhões para atender a um cliente). Private banking é um serviço muito lucrativo e os bancos e corretoras não poderiam ficar de fora, lógico. Por isso separamos ele em duas bolas, sendo que a melhor posicionada é a dos independentes. Mas vemos diferença pequena para o private dos bancos, já que os clientes tendem a ser tão importantes que mesmo os grandes bancos podem/devem abrir exceções para atende-los da forma que desejam.

Não à toa os milionários investem através de private banking, pois além de um serviço de luxo e alta qualidade, eles também têm as vantagens da ausência do conflito de interesses aliado a um leque enorme de opções de investimentos.

Vale notar que o posicionamento de consultorias e casas de análise independentes é muito próximo daquele dos private bankings. Ou seja, você como pequeno investidor tem a possibilidade de receber um aconselhamento tão bom quanto o dos grandes investidores multimilionários. Obviamente não vai receber todo o serviço de luxo, mas o resultado dos seus investimentos pode ser bem parecido (e em muitos casos até melhor).

Consultor X analista X robô

Espero que fique claro para você que bancos e corretoras são as plataformas por onde você investe. Eles prestam um serviço muito útil e importante de guardar o seu dinheiro e prover toda a infraestrutura e segurança necessários para que você invista. Ter uma conta em um banco ou em uma corretora é o básico para começar a investir. Sem eles simplesmente não é possível investir.

Mas também é importante que você entenda que não é obrigado a receber aconselhamento de um banco ou uma corretora, só porque tem sua conta com eles. Ao abrir a conta eles vão te prestar esse serviço, e se você não quiser usar o aconselhamento deles, não terá nenhum desconto por isso. Mas não caia na besteira de achar que porque o serviço já está incluso (afinal você paga por ele, mesmo que indiretamente) você deve usá-lo. Entenda que recomendação de investimento não é tudo a mesma coisa, e que recomendações ruins podem te fazer perder dinheiro (ou pelo menos deixar de ganhar). Se o assessor de investimentos te aconselha um produto onde ele recebe uma comissão maior, você ganha mais ao não escutar o que ele está te recomendando, mesmo que o conselho seja “gratuito”.

Basicamente o aconselhamento de investimentos tem que se pagar. Isso quer dizer que o rendimento que você ganha a mais com o aconselhamento (por investir melhor) deve ser um valor maior do que custa o aconselhamento. Afinal, se ele não se pagar é melhor investir sozinho. Por exemplo, se você tem R$ 100 mil investidos e gasta R$ 1.000 com aconselhamento de investimentos (pode ser um consultor ou uma assinatura de um relatório), o resultado que você deve esperar é que esse aconselhamento te gere um retorno de no mínimo 1% a mais por ano (que é o equivalente aos R$ 1.000 que você gasta). Se o retorno não for maior, então o aconselhamento não está valendo a pena e é melhor investir sozinho ou buscar outra fonte de aconselhamento.

Essa é a teoria. Mas na prática é muito difícil saber se você está ganhando mais ao receber aconselhamento de investimentos e qual é esse impacto, já que você não tem como medir o impacto com e sem aconselhamento. Na prática, uma boa regra é que para a parte do seu capital aplicada em renda fixa você deve ganhar mais do que a Selic/CDI e para o seu capital em renda variável você deve obter um ganho acima do Ibovespa. E o ideal é que o seu patrimônio como um todo renda acima tanto do CDI/Selic como do Ibovespa. Se você estiver obtendo um resultado desses, pode considerar que o seu aconselhamento é adequado e está te gerando valor.

Saiba que essa regra pode ter exceções. Um bom aconselhamento não supera o CDI ou o Ibovespa todo mês ou todo ano. O que você deve esperar é a longo prazo obter um resultado acima dos indicadores, mas sabendo que haverão períodos em que você vai ter resultados abaixo da média. Isso faz parte de investir, e resultados ruins por alguns períodos não são indicação de aconselhamento ruim.

Com relação a melhor opção entre relatórios, consultoria ou robôs, você vai ter que conhecer alguns e escolher aquele que julgar mais adequado. Não tem uma regra. Não é porque não tem conflito de interesses que as recomendações são boas. Assim como em qualquer profissão, você vai ter analistas melhores e piores, consultores melhores e piores e até robôs melhores e piores (que são programados por pessoas diferentes). A recomendação é que você conheça alguns escolha aqueles que te parecerem mais adequados ao seu estilo.

Se optar por um relatório, a vantagem é que com o custo mais baixo você pode assinar alguns até escolher o que prefere seguir (ou até optar por seguir mais de um relatório/analista a longo prazo). A desvantagem é que você vai ter mais trabalho, de ler os relatórios e implementar as mudanças na sua carteira.

Consultores são bem mais caros, então só são indicados para investidores com um patrimônio bem mais elevado. Com os relatórios você pode assinar vários e conhecer. Além disso, muitos tem um prazo que você pode cancelar a assinatura sem custo. Ou seja, o seu comprometimento é menor. Com consultores o seu comprometimento é maior. Por isso, o ideal é ouvir opinião de gente que você conheça, e conhecer alguns consultores.

Já a opção por robôs é a que eu recomendo menos. Eles são muito mais práticos, mas tendem a trazer um resultado pior. E como eu deixo bem claro no livro Milionário com R$ 100 por mês, uma taxa de retorno menor, mesmo um ponto percentual a menos, pode se refletir em milhares (ou até milhões) de reais a menos ao longo de uma vida de investimentos. Se você já está fazendo o esforço de investir (e não consumir o seu dinheiro), essa praticidade pode ter um custo muito elevado.

Finalmente, vale fazer a mesma ressalva que eu faço no livro Descomplicando investimentos: o único responsável pelos seus investimentos é você. Se ganhar muito, é você que será beneficiado. E se perder, o problema será só seu.

Então eu recomendo que você busque bons profissionais para te ajudar a investir melhor e escute o que eles têm a dizer. Mas use sempre o seu bom senso para avaliar as recomendações que recebe e questione quando tiver dúvidas (é seu direto e dever). E por melhores que sejam os profissionais que te aconselham, nunca confie cegamente, sempre acompanhando o trabalho deles. Quanto mais você souber sobre investimentos, mais vai se beneficiar dos conselhos que recebe e maiores serão os seus ganhos.

Inscreva-se e fique à frente do mercado