June 26, 2020

Itau vs XP (em briga de marido e mulher...)

O Banco Itaú fez uma propaganda nessa semana criticando o modelo de negócios das corretoras, em especial da XP, que é baseado no atendimento dos agentes autônomos de investimentos (AAI - também conhecidos como assessores de investimentos). O comercial pode ser visto nesse link.

Na propaganda um ator se passa por um investidor, em 2019, dizendo que a moda é ter conta em corretora e ouvir conselhos de um assessor de investimentos, que recomenda ótimos investimentos, sem risco. Depois o mesmo ator, em 2020, diz que o investimento não tinha risco para o assessor, que ganhava comissão, mas que ele se deu bem pois deixou seu dinheiro no Itaú Personalité...

O comercial chamou muito a atenção, primeiro por ser uma briga de cachorro grande no mercado financeiro, mas principalmente por ser uma briga dentro de casa, já que o Itaú é o maior acionista da XP, com 46% de participação.

A XP cresceu muito nos últimos anos, justamente roubando clientes dos grandes bancos (Itaú, mas também Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa). Boa parte do crescimento da XP veio justamente com a queda das taxas de juros e a necessidade que investidores sentiram de buscar retornos maiores. E o Itaú tenta aproveitar a forte queda da bolsa de valores em 2020 para recuperar parte dos clientes perdidos, que tiveram um resultado bem ruim quando a bolsa chegou a cair 45% (pelo menos aqueles que investiram pesado em bolsa).

Mas mais do que entender os motivos da briguinha do casal, acho que vale a pena entender as críticas do Itaú contra a XP e as respostas dessa, para avaliar se os modelos de negócios da XP e do Itaú (e consequentemente de seus concorrentes) são bons para você, como cliente.

O roto falando do rasgado

Acho que as críticas do Itaú a XP são justificadas. O modelo da XP, com atendimento via agentes autônomos, tem um grande conflito de interesses, de modo que não é o ideal para aconselhar investidores.

Agora a propaganda é bem “o roto falando do rasgado”. Se o modelo da XP tem problemas para o investidor, o modelo do Itaú tem mais ainda. Pior, o Itaú (e todos os demais grandes bancos) tinham modelos muito piores do que a XP. Porque o gerente da conta é pior do que os agentes autônomos, pois além do conflito de interesses, ele sequer é um especialista em investimentos. E se o modelo da XP não é o ideal, ela inovou oferecendo um shopping de produtos financeiros, com produtos de boa qualidade (muito superior ao que os bancos ofereciam), de modo que mesmo sem um bom aconselhamento, os clientes que migraram dos bancos para a XP (e outras corretoras) foram beneficiados no mínimo pelo acesso a bons produtos.

Os bancos ofereciam apenas produtos próprios. Eram fundos de investimentos e CDBs do próprio banco. O cara que cria o produto é o mesmo que aconselha você a comprar. E sem concorrência, os fundos e CDBs eram quase sempre caros e com retornos abaixo da média. E esses eram os melhores produtos oferecidos pelos bancos, pois eles ainda tinham (e tem) caderneta de poupança, títulos de capitalização (desculpa, mas isso nem investimento não deveria ser considerado) e fundos de previdência que eram (e ainda são) muito ruins.

Se o Itaú se sente à vontade para criticar a XP, é porque ele mudou (um pouquinho) e hoje oferece fundos de terceiros, tesouro direto com taxa 0%, fundos imobiliários e mais opções em renda fixa. Mas ele não mudou porque “é feito para você”. Ele mudou porque foi obrigado, justamente pelo crescimento da XP e outras corretoras, para quem começou a perder clientes (muitos clientes).

Antes de criticar a XP tenho que elogiar. Ela e o seu modelo (que por mais que não seja perfeito) mudaram o mercado financeiro brasileiro para melhor. Os agentes autônomos são sim uma evolução em relação ao gerente do banco. E o acesso aos melhores produtos foi a XP quem trouxe para o pequeno investidor. Assim, se você saiu do Itaú ou de qualquer outro grande banco, e levou seus investimentos para a XP (ou outra corretora), fez o movimento correto e saiu ganhando com a troca. Ainda pode melhorar, mas você está muito melhor do que quem ainda investe em grandes bancos.

Conflito de interesses: fuja dele

O Grande problema do modelo da XP é o conflito de interesses que ele pode gerar. Basicamente conflito de interesses ocorre quando para o outro ganhar você precisa perder. Assim, quem te aconselha não tem incentivo para te dar o melhor conselho possível, pois o que é melhor para você não é o melhor para ele.

Para ilustrar o ponto vamos usar o exemplo dos próprios agentes autônomos da XP (mas vale para AAI de qualquer outra corretora). Uma das grandes vantagens que os AAIs dizem ter para seus clientes, é que eles não têm custo. Eles trabalham de graça para você. Mas aí você vê que o AAI tem um escritório de luxo, vários funcionários (as vezes centenas) e dirige uma Mercedes zero quilômetro. Então você pergunta: De onde vem tanto dinheiro? A resposta é simples: de você, o cliente dele.

O AAI não cobra nada de seus clientes diretamente, mas é remunerado pelos investimentos que os clientes fazem. Esse já é um primeiro problema no modelo. Você paga ele de fato, só que não diretamente. É tipo imposto sobre produtos, você não vê, mas é você quem paga. Se um carro não tivesse impostos, ele custaria metade do que nós pagamos. Se não tivesse AAI o dinheiro que é pago para ele poderia ir para você, e seu rendimento seria maior (bem maior). O AAI faz um serviço de atender o cliente e merece ser pago por isso. O problema é que como você não paga diretamente, não faz a menor ideia de quanto está pagando e se isso é caro ou não. Você pode ter um AAI e estar recebendo um bom serviço, boas recomendações e não estar pagando caro por isso. Mas só o fato de você não saber quanto paga, já é um problema. E tenha certeza, muitos clientes pagam muito caro sem saber.

Mas o maior problema dos AAI está na forma como eles são remunerados. Eles ganham uma comissão para cada produto em que seus clientes investem. Só que essa comissão varia de acordo com cada produto. Por exemplo, se você investe no Tesouro direto e a taxa que você paga para a corretora é 0%, quanto você acha que o AAI recebe? Nada, né? Agora existem produtos muito lucrativos para a corretora. Já ouvi falar de comissões de 10% na venda de COEs (certificados de operações estruturadas). Agora qual produto você acha que o AAI vai te indicar? O Tesouro direto (que é um ótimo produto, mas onde ele ganha zero) ou o COE (que é bem ruinzinho, mas onde ele ganha 10% do valor investido)? Eu não sei o que o AAI vai fazer. Bons AAIs podem indicar o Tesouro direto, pensando na relação de longo prazo com o cliente. Mas outros mais “espertos” podem sim indicar o COE, onde eles têm muito mais a ganhar, mesmo que não seja o melhor para o cliente. A existência do conflito de interesses não é uma certeza de que você vai ser lesado, mas ela gera riscos de você não ter o melhor aconselhamento do mundo. E isso você deve evitar.

Outro exemplo pode ser de fundos multimercados. Imagine que você tem dois fundos muito bons, que batem o CDI com constância e tem ótimas perspectivas de gerar ganhos para você nos próximos anos. Agora imagine que um fundo cobra taxa de administração de 2% ao ano e que o outro cobra apenas 1% ao ano. A remuneração do AAI é normalmente uma parte dessa taxa de administração (e da taxa de performance, caso o fundo a cobre também). Vamos imaginar que da taxa de administração metade fica com o gestor do fundo e a outra metade fica para a corretora, que divide sua parte igualmente com o AAI. Na tabela abaixo podemos ver como seria essa distribuição.

Apesar da gestora do fundo 1 cobrar 2% de taxa de administração, ela só fica com 1%. O resto ela paga para a corretora, na chamada taxa de rebate, que é a remuneração da corretora por distribuir o fundo (ou na prática vender ele). E a corretora divide o rebate com o AAI, pagando pelo serviço dele de “vender” o fundo para o investidor. Os valores são fictícios e a taxa de rebate da corretora e do AAI varia de caso para caso (é negociado com cada gestor), mas a estrutura do negócio das corretoras (ou plataformas) é esse mesmo. Elas distribuem os fundos (ou CDBs, CRIs, debentures, etc) e cobram uma taxa negociada com o emissor/gestor do produto que está sendo vendido.

Agora olhando na coluna do AAI vemos que no 1o fundo ele ganha 0,50% e no 2o 0,25%. Se ambos os fundos são bons e tem perspectivas igualmente boas, para você faz mais sentido investir no 2º, já que ele cobra mais barato por um serviço muito parecido com o do 1º. Agora, para o AAI é melhor indicar o 1º fundo, já que ele vai ganhar o dobro. Isso deixa claro o conflito de interesses. O que é melhor para o investidor não é para o AAI, e vice-versa. De novo, não é uma certeza que você será “enganado” pelo AAI (até porque se o 1º fundo é bom, ele cobrar um pouco a mais não quer dizer que ele é um investimento ruim), mas o fato de existir o conflito de interesse é um indicador de que você tem algo a perder ouvindo a indicação dele.

Quando se trata de aconselhamento financeiro, fuja das situações de conflito de interesses.

Então a XP é a boazinha da história?

Quem saiu dos bancos e migrou seus investimentos para a XP, fez um bom negócio, como eu disse antes, especialmente porque a XP tinha uma oferta de investimentos muito melhor do que a dos bancos. Mas a XP não começou a oferecer produtos melhores porque ela quer o seu bem. Ela fez isso justamente para se diferenciar dos bancos e conseguir atrair clientes, tendo muito sucesso com sua estratégia.

Os bancos não vendiam apenas produtos próprios e ruins porque eles são maus e querem te prejudicar. Eles vendiam porque podiam. Como quase todo mundo que investe tinha conta em um banco grande, eles aproveitavam a facilidade e empurravam seus próprios produtos para os clientes, porque era mais lucrativo para eles. Quando as pessoas começaram a ver a possibilidade de investir por outros meios e a migrar seus investimentos, os bancos tiveram que se mexer e ofertar produtos melhores, de modo a concorrer com as corretoras.

Os bancos podiam cobrar caro porque eram muito grandes e tinham pouca concorrência, com poucos clientes entendendo o quanto pagavam ou buscando outras alternativas. Agora a XP cresceu muito e se tornou a maior corretora do país, e com isso ela ganha muito poder. E não pense que todo esse poder é bom para você.

Como a XP se tornou muito importante, especialmente para os parceiros cujos produtos ela distribui, ela pode cobrar uma taxa de rebate muito maior dos fundos, assim como de outros parceiros. Um dos melhores fundos de ações do Brasil, o Constância fundamento, era distribuído pela XP. Quando o fundo deixou de ser, recebi uma ligação de um funcionário da XP recomendando tirar o dinheiro dele. Por se tratar de um fundo que recomendo na carteira Ohr, marquei uma reunião com o gestor para entender os motivos dessa saída (afinal podia ser algum problema de gestão). O que a equipe me contou é que a XP decidiu aumentar a taxa de rebate para 50% (não falaram quanto era antes) e que eles se recusaram a aceitar esse aumento e por isso saíram da plataforma. Ou seja, aquele poder que os bancos tinham de oferecer produtos ruins e os clientes aceitarem agora está migrando para a XP. A sua base de ótimos fundos já não é a mesma, com alguns dos melhores saindo pelo custo de permanecer com a XP (O Constância continua com resultados acima da média e é distribuído em outras plataformas).

Outro ponto polêmico do crescimento da XP foi a criação de fundos espelhos exclusivos. Se eu tinha dinheiro no fundo A na XP e queria transferir meus investimentos para outra corretora onde eu tinha conta, podia pedir a transferência do fundo. A XP, incomodada com a possibilidade de perder clientes, pediu aos gestores para criar fundos espelhos (as gestoras podiam não aceitar, e correr o risco de sair da plataforma). Esses fundos são iguais aos originais, mas distribuídos apenas pela XP (ou outras corretoras, que fizeram o mesmo). Desse modo, os clientes que tem dinheiro no fundo da XP não conseguem mais pedir transferência para outra corretora, pois o fundo não é o mesmo (não tem o mesmo CNPJ), embora sejam fundos idênticos, com o mesmo gestor e resultados iguais.

Ou seja, a XP veio mudar o mercado financeiro, oferecendo algo melhor que os bancos. Mas ao crescer, ela tende a se tornar parecida com eles. Isso é perfeitamente normal, afinal todas essas empresas visam o lucro para os seus acionistas. Mas se a XP já foi a melhor opção, hoje você provavelmente encontra produtos e serviços melhores em outras plataformas, que justamente precisando se diferenciar, buscam oferecer mais (afinal eles não tem tanto dinheiro parta fazer propagandas ou atrair um exército de AAIs/gerentes como a XP ou mesmo os grandes bancos fazem).

Para finalizar, é interessante notar que a XP respondeu ao Itaú, mas sem defender seu modelo como o ideal para os clientes. Sua defesa foi muito mais no sentido de atacar o Itaú. Além disso, é no mínimo estranho que empresas do mesmo grupo financeiro partam para uma briga tão direta como essa, sem que uma soubesse do que a outra faria. Será que foi fogo amigo? Ou será que é jogo de cena, para ambos ganharem atenção? Não sei qual dos dois, mas que estamos falando deles agora, nós estamos.

No próximo artigo dessa série, vamos falar sobre as opções para fugir do conflito de interesses no aconselhamento sobre investimentos, além de mostrar um cálculo de quanto custa o conflito de interesses para o investidor (é bem caro). Para ter acesso ao nosso próximo artigo cadastre-se na newsletter da Ohr ou nos siga nas redes sociais, para ser informado quando lançarmos novos conteúdos.

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