February 19, 2018

Aposentado e trabalhando. Isso faz sentido?

Meu avô Ernesto nasceu em uma pequena cidade, próxima de Essen, na Alemanha, em 1927. Seus pais, trabalhadores de classe baixa, preocupados com o crescente antissemitismo da época, decidiram deixar o país em 1933, emigrando para o Brasil. A família se mudou para Santos, onde ele cursou a escola pública, e alguns anos depois estabeleceu-se em São Paulo, onde ele se formou como técnico eletricista.

 Começou a trabalhar aos 18 anos, como operário na fábrica da Arno. Alguns anos depois casou-se e montou a Sertil, uma pequena empresa de instalações elétricas e hidráulicas, com um sócio. A empresa nunca cresceu muito, mas lhe proporcionou uma vida confortável e algum sucesso financeiro. Ele passou anos instalando quilômetros de fiações elétricas e de canos de água e esgoto.

 Depois de 30 anos trabalhando na Sertil, ele atingiu a idade de aposentadoria e, como bom alemão, acreditou no governo e achou que estava na hora de parar de trabalhar. Vendeu sua parte na empresa para o sócio e, com um pequeno patrimônio somado à aposentadoria que começou a receber, decidiu ficar em casa e descansar.

 Acostumado a trabalhar duro todos os dias, ele estava entediado parado em casa. Ia ao clube diariamente, praticar esportes, consertava qualquer coisa elétrica ou mecânica que quebrava (em sua pequena oficina caseira) e tinha uma vida social agitada (“puxado” pela minha avó). Logo virou síndico do prédio onde moravam, para ter com que se ocupar.

 Então, em 1992, uma oportunidade surgiu. A Suzano, fabricante de papel e celulose, precisava de um procurador. Meu avô, conhecido na comunidade judaica como um homem bastante correto, foi indicado para a vaga. Max Feffer, presidente da empresa, já o conhecia de atividades comunitárias e o contratou. Com isso, ele passou a ser um aposentado que trabalhava.

 Apesar da aparente contradição, de ser aposentado e ter uma atividade profissional, o novo emprego lhe fez bem. Sua saúde mental foi beneficiada pela jornada de trabalho diário, responsabilidades e convivência com colegas. Seu bolso também, graças ao salário, que lhe permitiu voltar a acumular patrimônio.

 Em 2001, Feffer faleceu e seus filhos passaram a comandar a Suzano. Algum tempo depois, entre suas decisões para modernizar a empresa, decidiram extinguir o cargo de procurador, de modo que meu avô foi demitido.

 Ele tentou ainda ter alguma atividade profissional, como corretor de imóveis e vendendo outros produtos. Mas não obteve sucesso nessas tentativas (era um técnico, não um vendedor) e, finalmente, se aposentou de fato, cessando qualquer atividade profissional.

 Continuou frequentando o clube quase diariamente e fazendo suas atividades em casa, mas, com a idade, a genética e uma rotina mais simples, acabou sofrendo de Alzheimer. A doença veio lentamente, primeiro atrapalhando a fala, e evoluiu até um ponto em que ele mal conseguia reconhecer os familiares. Com a doença, seus gastos aumentaram muito, com a necessidade de contratar cuidadores, folguistas, fonoaudiólogas e psicólogas. Os gastos de um casal idoso, que já eram elevados, explodiram e o patrimônio começou a acabar rapidamente. Seu dinheiro durou mais um pouco, mas, quando ele estava praticamente no fim, toda a família teve que ajudar. Eu, meus pais, irmãos, tios e primos, todos tivemos que colaborar, pois não havia mais meios de pagar suas despesas. Alguns meses depois, já muito debilitado, ele faleceu, no início de 2016.

O que podemos aprender com a história do meu avô

 Achei interessante dividir essa história pessoal, pois o caso não é uma exceção e pode vir a ocorrer com milhões de brasileiros no futuro. Além disso, acho que temos algumas lições interessantes a serem aprendidas com ele.

 A primeira delas é o que significa se aposentar. Meu avô aposentou-se aos 60 anos pelo INSS, mas só cessou as atividades profissionais quase duas décadas depois. Ou seja, sua aposentadoria de fato só se deu aos 75 anos. Durante 15 anos ele recebeu um benefício que, no fundo, não necessitava. Do ponto de vista individual ele era justo, já que meu avô se aposentou com a idade determinada pelo governo e fez tudo dentro das regras. Mas, do ponto de vista coletivo, pensando que somos um país com recursos limitados, teria sido justo ele se aposentar apenas aos 75 (quando não conseguia mais ganhar dinheiro). Obviamente existem casos e casos: algumas profissões são muito exigentes do ponto de vista físico, e quem as exerce muitas vezes não tem mais condições de trabalhar aos 60 anos (às vezes até com menos idade), de modo que o exemplo não se aplica a todos. Ainda assim, o caso do meu avô é só um entre milhões, que mostra que aumentar a idade mínima de aposentadoria não é algo irreal, ou que fazê-lo significa exigir demais dos nossos idosos. Temos condições de aumentar a idade mínima. O que devemos é tratar como exceção aqueles casos que de fato o são, e não nos basear na exceção para definir a regra.

 A segunda lição interessante foi a decisão dele de se aposentar aos 60. Neste caso não falo da aposentadoria pelo INSS, mas sim, do fato de vender sua participação na empresa e resolver ficar em casa. Acredito que essa foi uma decisão errada, por dois motivos: (i) ele ainda tinha condições e vontade de produzir e trabalhar; e (ii) ele confiou demais no governo e não fez um plano de aposentadoria adequado.

 Ele era dono da própria empresa, não tinha obrigação de parar de trabalhar quando se aposentasse pelo INSS: podia se aposentar, receber o benefício e continuar na firma. A decisão foi claramente ruim - tanto que, assim que teve oportunidade, ele se tornou síndico do prédio, para ter alguma atividade profissional.

 Mais tarde, ele teve uma grande sorte, que foi a vaga na Suzano “cair no seu colo”. Mas isso foi, realmente, sorte e uma exceção: a maioria dos aposentados no país tem pouco espaço no mercado de trabalho. Nesse ponto, é essencial que o país passe a gerar mais oportunidades de emprego para pessoas com mais de 60 anos. Se queremos aumentar a idade mínima de aposentadoria, temos essa obrigação. Aliás, independentemente dessa discussão toda, é um desperdício de experiência e talento não valorizarmos a força de trabalho de quem tem mais de 60.

 Bem, já vimos que meu avô decidir se aposentar aos 60 anos não foi uma boa ideia, pois ele não foi obrigado a parar de trabalhar e não queria (pelo menos não queria ficar em casa). Mas, além disso, ele não fez a si mesmo a principal questão que qualquer pessoa que decide parar de trabalhar deve se fazer: eu posso parar de trabalhar? A resposta é muito simples: se você tem recursos para viver sem precisar da renda do trabalho, pode parar; se não tem, então não deve. É interessante que a resposta não tem ligação nenhuma com o INSS e a idade de aposentadoria fixada pelo governo. Alguém com 40 anos (ou até menos) pode ter recursos suficientes e tomar essa decisão. E muitas pessoas com mais de 60, já aposentadas pelo INSS (como foi o caso do meu avô), não têm e, aí, ou continuam a trabalhar ou correm o risco de ter um final de vida muito apertado.

 Meu avô não tinha dinheiro suficiente para parar aos 60. Foi a sorte de aparecer um emprego depois da aposentadoria, que permitiu que ele obtivesse o que precisava para quase todas as despesas até o fim da vida. A história teve um final feliz e confortável graças a sorte. Mas isso não é a regra: não conte que vai acontecer com você. O ideal é que você junte patrimônio e planeje sua aposentadoria.

 Quando nos aposentamos com um patrimônio, podemos ter duas situações: (i) gastamos mais do que o rendimento desse patrimônio; (ii) gastamos menos do que o rendimento. Quem está no primeiro caso (como estava meu avô), tem um capital que permite viver sem trabalhar, mas ele será consumido e, em algum momento, irá acabar. Quem está no segundo caso tem sempre um rendimento maior do que os gastos, de modo que seu capital, teoricamente, vai durar para sempre. Esse é o caso ideal para se aposentar, pois o capital é autossustentável (muita gente se preocupa com sustentabilidade do meio ambiente, e acaba se esquecendo da “própria sustentabilidade”). Não sabemos quando vamos morrer e, por isso, não sabemos até quando precisaremos que nosso capital nos sustente. Meu avô, quando decidiu parar aos 60, não imaginava viver quase até os 90 anos (e muito menos ter Alzheimer). Talvez ele pensasse que só viveria mais 10 anos e seu capital fosse suficiente.

 Se você ainda não começou a planejar sua aposentadoria, mas ficou interessado no assunto, uma conta simples para determinar o capital (autossustentável) necessário para se aposentar, é de que sua despesa anual seja igual a 5% do capital desejado. Por exemplo, se você espera gastar R$ 10 mil por mês, ou seja, R$ 120 mil por ano, o capital necessário é de R$ 2,4 milhões. Obviamente você pode se aposentar com menos, mas existe risco de o capital acabar enquanto você precisa dele (não recomendo a ninguém fazer isso).

 Se o capital sugerido, para uma renda de R$ 10 mil, pareceu muito, aqui tenho uma boa notícia: se começar a poupar cedo (perto dos 20 anos), mesmo que você invista pouco (algo como R$ 100 ou R$ 200 por mês), é possível que acumule esse capital todo quando tiver cerca de 60 anos (são 40 anos investindo). Se você não tem tanto tempo assim, precisará investir valores maiores, mas ainda assim é possível acumular esse capital. Quer aprender como isso funciona? Baixe o e-book “Milionário com R$ 100 por Mês” no link a seguir: https://www.ohri.com.br/educacao/milionario-com-100-reais-por-mes (o e-book é gratuito, basta cadastrar seu e-mail e baixar o livro).

 Para finalizar, vale dizer que a história do meu avô foi uma história muito feliz. Ele teve a sorte de fugir dos horrores do nazismo, casar com a minha avó, ter filhos, netos e bisnetos. Teve muitos amigos e uma vida profissional de muito sucesso, para alguém que começou a vida de baixo. Os pequenos percalços financeiros que ele enfrentou após a sua aposentadoria, foram pequenos detalhes em uma vida repleta de alegrias. E tenho certeza que ele ficaria feliz de saber que suas dificuldades podem ajudar outros a não passar pelos mesmos problemas.

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