February 21, 2018

A reforma da Previdência será feita, por bem ou por mal

Que fique claro, o título deste artigo não é uma ameaça. Obviamente, não tenho poder de obrigar nossos parlamentares a votarem a reforma da Previdência (que corre o sério risco de sequer ser votada este ano). Apesar disso, tenho certeza que ela será feita. Não pela força, mas por uma lógica matemática irrefutável.

Existem duas formas para que ela se concretize. A primeira é por bem: basicamente, o Congresso aprova a reforma, igualando servidores públicos ao resto da população e aumentando a idade mínima de aposentadoria. O resultado é que trabalharemos alguns anos a mais, nos aposentaremos mais tarde, e toda a população terá o mesmo tratamento, sem privilégio para funcionários públicos. Com isso, o governo gasta menos (muito menos) com aposentadorias, levando as contas públicas de volta ao equilíbrio e permitindo que o país volte a crescer de forma saudável e sustentável.

Porém, sempre existe a opção de não se fazer nada. Nada impede deputados e senadores de rejeitarem a reforma (ou sequer votarem ela). Nesse caso, mantemos a situação atual, de deficit previdenciário crescente. Mas isso não quer dizer que a reforma da Previdência não será feita. Isso significa que ela será feita por mal, à força, devido à total incapacidade do governo de honrar suas contas.

De acordo com dados do Ministério do Planejamento, o resultado da seguridade social era de deficit de R$ 27,2 bilhões em 2003; ele passou para R$ 258,7 bilhões negativos em 2016 (aumento de cerca de 850% em 13 anos). Só para você ter uma ideia, o deficit previsto para o governo como um todo em 2018 é de R$ 159 bilhões. Ou seja, se não houvesse um rombo na Previdência, o governo teria, na verdade, superávit. O problema é que o deficit da Previdência vem crescendo e, se nada for feito, continuará a crescer, tornando a conta impagável.

Vale ainda dizer que esse deficit do governo, de R$ 159 bilhões, é primário. Isso significa que na conta não entra o pagamento de juros da dívida pública - orçado, para 2018, em cerca de R$ 272 bilhões. Com isso, o governo tem como resultado final um deficit de R$ 431 bilhões. Sem esses R$ 431 bilhões emprestados, o governo não é capaz de pagar tudo o que deve, afetando fornecedores, funcionários públicos e aposentados (não acredita? Assista a qualquer noticiário mostrando a situação de aposentados e funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro, que estão com salários atrasados e uma situação muito precária, e você verá o que pode acontecer com o Brasil todo).

Peço desculpas pela complicação de números, mas é neles que mora o problema. Com a necessidade de financiar um deficit de R$ 431 bilhões, o governo começa a ser visto como um problema por aqueles que emprestam dinheiro e vêm financiando a nossa dívida. Aliás, dívida que é atualmente de R$ 3,5 trilhões (sim, trilhões, com “t”). Do ponto de vista dos nossos credores, temos uma dívida grande, mas não impagável. O que preocupa é a sua trajetória. Se continuar crescendo, aí pode se tornar impagável. Os credores não precisam que o Brasil salde a dívida logo, mas que demonstremos estar comprometidos em não deixar que ela saia do controle. Para isso, temos que zerar o deficit público (pelo menos os R$ 159 bilhões), de modo que a dívida pare de crescer tão rapidamente. E isso é impossível sem a reforma da Previdência.

Mantidas as trajetórias de deficit e aumento da dívida, existe o risco muito real de o governo não ser capaz de financiar esses rombos por muito tempo. Esse é o grande problema, já que, de qualquer forma, o governo terá que honrar todas as suas obrigações (pagamento de aposentadorias, salários de servidores públicos etc.). Porém, sem dinheiro, ele terá como única opção imprimir mais dinheiro para honrar seus compromissos.

Essa solução pode parecer boa, mas na prática traz um custo muito alto para a população: uma forte elevação na inflação. E não se engane, inflação é uma forma de imposto indireto, que penaliza sempre os mais fracos. Ou seja, tudo o que consumimos ficará mais caro. E, sem dinheiro, o governo não deverá reajustar as aposentadorias, de modo que os aposentados (atuais e novos) terão grande dificuldade de manter seu poder de compra. Eles, então, terão duas alternativas: reduzir os gastos ou buscar emprego, para tentar aumentar a renda e manter o poder de compra –não custa lembrar que muitas vezes aposentados têm despesas elevadas, especialmente com saúde, e não podem baixar seu padrão de vida.

Na prática, o que a reforma da Previdência propõe é que as pessoas passem a se aposentar um pouco mais tarde, trabalhando alguns anos a mais, de modo que o sistema volte a um nível mais equilibrado. Sem ela, no final das contas teremos a mesma situação, já que o inevitável rombo nas contas públicas levará ao aumento da inflação e à necessidade de muitos aposentados voltarem a trabalhar. Ou seja, a reforma será feita por mal.

Se dá na mesma, por que não deixamos a Previdência como está e, quando a coisa estourar, nos viramos como der?

Embora o resultado de aprovar ou não a reforma da Previdência leve a uma situação parecida (a população brasileira vai ter que trabalhar por mais anos), o caminho em ambas as situações é muito diferente.

A primeira grande diferença é que, além de aumentar a idade mínima para aposentadoria, a reforma também propõe acabar com uma injustiça: a aposentadoria integral para servidores públicos. Se somos todos iguais perante a Constituição, por que uma classe é privilegiada e recebe uma aposentadoria muito mais alta? Se deixarmos tudo como está, a crise atingirá a todos, mas os funcionários públicos sofrerão menos, já que continuarão com aposentadorias mais altas do que a média da população.

A segunda diferença, é que ao deixar estourar, toda a população é prejudicada, e não apenas os atuais trabalhadores, que terão que se aposentar alguns anos mais tarde. Com uma forte elevação da inflação toda a população sofre os efeitos (aposentados e trabalhadores ativos sofrem da mesma forma). Todo mundo tenta puxar a sardinha para seu lado: empresas aumentam preços de produtos e trabalhadores negociam aumentos de salário para repor suas perdas, de modo que entramos em um ciclo vicioso. E, como você deve imaginar, nesse tipo de negociação quem acaba perdendo é sempre o lado mais fraco - justamente os trabalhadores e aposentados. E quem ganha é o governo, que imprime mais dinheiro e arrecada mais impostos devido ao aumento de preços de produtos e de salários, podendo manter a sua ineficiência e deixando que a sociedade pague pelos seus problemas.

Finalmente, existe mais um problema, que é a perda de credibilidade. Com descontrole nas contas públicas e volta da inflação, o país perde a confiança de investidores internacionais. Isso se traduz em taxas de empréstimos mais elevadas e menos valor da nossa moeda. Ou seja, pagamos mais juros e produtos importados ficam muito mais caros (chega de viagens para a Disney e até mesmo para Buenos Aires...).

Basicamente, não reformar a Previdência deve nos levar de volta para a década de 1980 e o começo da de 1990, quando a inflação era descontrolada e vivíamos de crise em crise. Algo que, tenho certeza, ninguém deseja.

Quando a situação vai estourar?

Não dá para prever com precisão quando a situação realmente vai ficar insuportável e estourar. O que dá para falar é que tivemos a oportunidade de votar a reforma da Previdência no final de 2017, mas o governo não conseguiu os votos necessários e adiou a votação para este mês de fevereiro. Com a situação no Rio de Janeiro e a impossibilidade de votar uma PEC enquanto a intervenção federal no estado durar, a situação continua incerta –e há uma possibilidade bastante real de o governo não conseguir os votos e o projeto não sair.

Nesse caso, a imagem do Brasil ficará bastante arranhada (nossos credores devem cobrar caro por isso), mas ainda assim existirá a esperança de que a PEC seja aprovada por um Congresso renovado, em 2019. Assim, entendo que temos até mais ou menos a metade do ano que vem para aprovarmos a reforma da Previdência.

Se até lá ela não for feita, o entendimento do mercado será de que o Brasil, que vem em uma situação de deficit insustentável, não está disposto a fazer a lição de casa e alterar o rumo da economia. Com isso, uma grande quantidade de investidores deve entender que é melhor tirar o dinheiro do Brasil o quanto antes, evitando estar no país no momento em que a crise realmente explodir. E é provável que só esse movimento de tirar investimentos do país seja o estopim para uma grande crise.

Obviamente a situação da economia é muito complexa, e não apenas a reforma da Previdência (ou sua ausência) determinam os rumos da nossa economia. Mas o mundo vem em uma situação instável, com excesso de dívidas e taxas de juros exageradamente baixas no primeiro mundo, situação que pode ser alterada a qualquer momento. Além disso, como diria o brilhante Nassim Taleb, o grande problema está naquilo que não podemos prever (os famosos cisnes negros), de modo que existem diversos acontecimentos imprevisíveis que podem ser o estopim de uma nova grande crise.

O ponto é que não temos como prever o que vai acontecer, mas existe uma probabilidade grande da situação econômica mundial mudar nos próximos dois anos, e com um deficit grande, como temos hoje no país, estaremos muito vulneráveis e com risco de sermos atingidos em cheio. A melhor forma de nos protegermos é arrumando a casa e mantendo nossas contas públicas em ordem. Sem a reforma da previdência isso não é possível. E sem ela, ficaremos a mercê do mercado e seus humores, situação que já vivemos no fim do século passado, e que não desejamos voltar.

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