May 22, 2020

Carta #2 - “Querida, Encolhi o Patrimônio!” [1] (quando tudo dá errado)

Por Felipe Guarnieri

Minha idéia era escrever sobre isto mais para a frente. Mas dado o cenário pandemônico atual resolvi antecipar. Quem entrou no mercado de FII em novembro de 2019 e viu a subida em dezembro deve ter ficado eufórico (e mal acostumado). Quem manteve a posição até os dias de hoje durante a CoronaCrise deve ter ficado deprimido (e desesperado). Mas o certo é o seguinte: só existem dois tipos de investidores, aqueles que já perderam dinheiro, e aqueles que ainda vão perder. Só erra pênalti quem chuta para o gol, só leva fora quem chega junto e só é demitido quem antes está trabalhando... Então vamos lá!

Às vezes não tem jeito; mesmo o  Buffet - o maior investidor de todos os tempos – já fez negócios errados, a própria Berkshire Hathaway que hoje é a holding das 65 empresas do grupo é uma história de fracasso; uma antiga indústria têxtil comprada pelo Buffet onde ele só perdeu dinheiro e que por uma destas ironias do destino acabou virando a holding de todos os seus investimentos (e você pode ficar sócio do Buffet, coisas democráticas do capitalismo!).

Em 2010 logo após fazer o meu primeiro investimento em fundos imobiliários, um novo fundo veio a mercado. Na época eu trabalhava como Head of Treasury de uma multinacional britânica (empresas gostam de títulos em inglês) e cuidava da carteira de investimentos da empresa de uns R$ 250 milhões. Tinha muito contato com economistas-chefe dos bancos de investimento da Faria Lima em almoços e cafés-da-manhã (gostava especialmente das reuniões com o Ilan Goldfajn, no Itaú-BBA, que depois viria a ser presidente do Banco Central e claro do terminal da Bloomberg na minha mesa). Meu chefe se interessou também pelo novo fundo. “Ney; este aqui eu ainda não avaliei, por que não estudamos o investimento juntos?”

E lá fomos nós! Depois de lermos o prospecto da oferta, nos encontramos num ensolarado sábado pela manhã e junto a alguns amigos investidores fomos conhecer o empreendimento. Tratava-se do famigerado Shopping Mais Largo 13... ...A localização não poderia ser melhor, um entroncamento de diferentes modais de transportes públicos, onde quem chega de ônibus para fazer a baldeação tem que passar necessariamente dentro do shopping para pegar o metrô. Além disso, fica ainda ao lado de uma faculdade (a Uninove) com enorme fluxo de pessoas e tinha ainda o Detran em frente. Ele trazia um conceito inovador para um shopping naquela região: as lojas eram menores e com o teto das lojas aberto para o prédio principal o que era bom para a dinâmica operacional do ativo, já que tanto a iluminação quanto o sistema de climatização eram compartilhados gerando menos custos para os lojistas.

Olhamos o entorno, vimos o incrível fluxo de gente (mesmo para um sábado de manhã), demos uma “volta olímpica” no terreno do ativo ainda em obras. Uma das entradas estava aberta e aproveitamos para conhecer. Lá dentro operários trabalhavam a todo vapor, a fim de cumprir com o prazo da inauguração. Uma única loja (ou melhor, um único espaço de vendas) estava funcionando, fomos ver o que era e gostamos do que vimos! O corretor responsável pela locação das lojas abriu o mapa em cima da mesa e vimos que grande parte dos espaços já estavam locados (bom sinal); nos explicou todo o conceito do shopping, deu detalhes sobre o fluxo de pessoas, da região, da dinâmica do lugar. Identificamos no mapa o que seria um racetrack provável (o circuito, o fluxo de pessoas, apenas alguns anos depois soube que tinha nome, numa reunião de acionistas da BRMalls) e vimos que havia um corredor principal em “S” ligando duas entradas/saídas principais. Bom para as lojas que estivessem lá, ruim talvez para quem não estivesse. Perguntamos sobre o mix, começando sobre lojas com itens de compra por impulso perguntamos se já havia alguma coisa de pão de queijo (é óbvio que sim! Empreendedores são espertos e rápidos), mas também se havia lojas com itens de compra programada e lazer; uma loja de nutrição esportiva tinha assinado um contrato há poucos dias. Por último nos apresentou a tabela de preços de aluguel. Aí a coisa começou a entornar um pouco. O preço de referência para um pequeno box estava ao redor de R$ 4.000 à época o que impunha claramente um desafio grande para os lojistas de itens de pequeno valor e margem... ...como competir com gente que a poucos metros dali vendia a mesma coisa numa banca montada na rua que não pagava os R$ 4.000? Haja pão de queijo!

Após a visita fiz um modelo financeiro simples numa planilha. Comparando com o caso do Parque Dom Pedro dava para ver duas coisas: 1º este shopping embutia uma forte dose de risco, já que o Dom Pedro já era um ativo performado (isto é, tinha um histórico positivo de funcionamento e números conhecidos); 2º o aluguel de equilíbrio dinâmico era incerto. No Parque Dom Pedro era conhecido, já que o shopping estava com uma vacância mínima e havia lojistas pagando mensalmente os valores com um mínimo de inadimplência. Avaliei que ele poderia dar muito certo ou muito errado. Se o conceito vingasse haveria muita gente comprando e o preço do aluguel se justificaria. Se o conceito não vingasse... ...teríamos problemas. Entrei com o mínimo à época que eram R$ 10.000 e... ...tivemos problemas.

Depois de anos apanhando no mercado, o fundo foi encerrado com o dinheiro sendo devolvido aos investidores que amargaram um prejuízo de cerca de 25% (considerando quem entrou no IPO e saiu na liquidação do fundo). O Bradesco – que lançou o fundo - acabou por nunca mais atuar como gestor de fundos imobiliários (teria sido por isto?), mesmo com uma base de clientes enorme e sua expressiva capilaridade com presença em todos os municípios brasileiros.

Para não mostrar que este foi um caso isolado, vou apresentar brevemente outras situações...

Edifício Torre Almirante no Rio de Janeiro. Estamos em 2012, Brasil “bombando”, economia crescendo, nível de emprego alto, o setor de óleo e gás a toda e o Brasil a poucos anos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. A Petrobrás – que tinha feito a maior captação de dinheiro na história do capitalismo – estava implementando e aumentando a exploração e produção no pré-sal (hoje mais da metade do petróleo vem daí) e este edifício, construído no terreno do famoso Edifício Andorinha, que pegou fogo em 1986, era integralmente ocupado pela empresa com exceção de uma agência da Caixa Econômica que dava para a rua. Uma fração ideal de 60% do prédio pertence até hoje ao BCFund (BRCR11) e os outros 40% ao fundo Torre Almirante (ALMI11) que detém apenas este ativo. Ainda em 2012 uma ótima notícia foi divulgada pelo fundo! A renovação por 10 anos do contrato com a Petrobrás. Um contrato dos sonhos, num ótimo ativo, numa empresa de petróleo capitalizada, que está crescendo num país que tinha acabado de sair na capa da The Economist com o Cristo Redentor decolando. O que poderia dar errado? Nada... Bem, tudo deu errado. O Brasil entrou na pior crise de sua história. Envolvida num escândalo de corrupção, a Petrobrás teve o seu primeiro prejuízo em décadas e, não se iluda olhando para trás e pensando que era óbvio que a coisa ia desandar; em 2012 não era. Transporte-se para 2012 e veja que naquela época não havia Lava-Jato, você não sabia quem era Sérgio Moro e acreditava piamente que a Copa e os Jogos Olímpicos eram o passaporte do Brasil para um novo patamar de desenvolvimento. O 7 X 1 que foi usado como uma metáfora para o prenúncio da crise (7% de inflação e 1% de crescimento) estava subestimado. A inflação bateu 10% e o “crescimento” foi negativo atingindo -3,5%. Em poucos anos a Petrobrás decidiu desocupar todo o prédio (pagou corretamente as multas por isto) e demorou até o prédio ser parcialmente ocupado novamente. A boa notícia só veio quando a WeWork, que já alugava um dos prédios do BCFund (O Brazilian Financial Center na Av. Paulista, antiga sede do Banco Real na Paulista e um ótimo ativo construído pela Lindenberg), viu que havia demanda para co-work no Rio de Janeiro e decidiu ir para lá. Neste ativo eu estava exposto via BCFund, de portfólio diversificado, e o impacto foi muito menor comparando a quem tinha apenas o ALMI11... Se naquele terreno antes 21 pessoas perderam tragicamente a vida no incêndio do Andorinha, agora eram milhares de investidores perdiam seus rendimentos (os eventos claramente não tem relação entre si e vidas são muito mais valiosas do que rendimentos). Não sei se há algo obscuro ou sobrenatural neste terreno, mas seria bom incluir esta verificação nas análises e auditorias de outros ativos.

Tudo isto parece pouco perto do que é quase unanimemente o caso mais emblemático no mercado de coisas que podem dar errado. Me refiro ao TRX Edifícios Corporativos, o famoso XTED. Esta é “A” história triste. O fundo vem a mercado em 2012 ao valor de R$ 100 a quota com a promessa de uma gestão ativa e a presença de 3 imóveis no portfólio. Um deles – o “Itambé” – acabou não sendo comprado e o gestor devolve em junho de 2013 o dinheiro aos quotistas. Ok, não é o ideal, mas acontece nas melhores gestoras; pelo menos você tem o dinheiro de volta e pode fazer o que quiser com ele. O 2º era um imóvel ocupado pela Peugeot – uma montadora de automóveis multinacional – na região de Santo Amaro. Mas em maio de 2015 ela decide desocupar o imóvel que em 2019 acabou sendo vendido pelo fundo, “ok, risco do negócio”; mas ainda temos um imóvel no portfólio, o “Atlântico Office”...

Estamos em Macaé, 2012, cidade que é a uma das bases operacionais da Petrobrás no estado do Rio de Janeiro. Todos os dias helicópteros decolam da cidade levando grupos de petroleiros para as plataformas off-shore na Bacia de Campos, de onde grande parte do petróleo no Brasil é extraído. A nova fronteira do pré-sal não para de crescer! O Fundo possui um ótimo ativo com cerca de 7000 m², locado integralmente para a Petrobrás, a empresa que é a bola da vez no mercado em alta. Com os royalties do Petróleo a cidade faz investimentos expressivos em infraestrutura e as obras deixam a cidade muito mais bonita do que outras de porte similar no estado. O que poderia dar errado? Agora que o tempo já passou sabemos que tudo, tudo pode dar errado. Em janeiro de 2016 a Petrobrás decidiu sair e aí? O que fazer numa cidade de porte pequeno com um prédio de escritórios nas mãos? Prédio vago tem custos de condomínio, segurança, depreciação, impostos. Como pagar a conta se não há gente pagando aluguel? Nos meses seguintes, avaliaram converter o prédio para pequenas saletas comerciais (já pensou o transtorno em gerenciar vários contratos?), para residências estudantis (e o risco de mercado? no interior é melhor morar num apartamento perto da faculdade, ou numa república instalada numa casa ampla com churrasco todo final de semana?) todas soluções que implicariam em investimentos a priori para uma incerteza a posteriori. Se você não tem dinheiro nem para pagar a taxa fixa da conta de luz, o que você faz? Você passa o chapéu! E aí veio uma nova emissão que diluiu muito a então base de quotistas e desde então o fundo continua apenas consumindo caixa... ...e agora em maio de 2020 completou 4 anos sem distribuir um único dividendo.

Uma grande amigo meu, o Fran [2], um dos maiores conhecedores do mercado de FII que eu conheço foi quotista do fundo e me resumiu a história da seguinte maneira...”Felipe, eu estava numa assembleia, aí começaram a falar do ar condicionado que já estava inutilizado pela maresia, da ausência de inquilinos, do caixa minguando, enfim o cenário que pintaram foi tão sombrio que ali mesmo na reunião eu peguei o celular e zerei minha posição. Vendi a mercado por uns R$ 6,00”. Bem, podia ser pior Fran. Em 27 de maio de 2019 a quota chegou a ser negociada por R$ 5,60... quem pagou R$ 104,40 em 20 de dezembro de 2012 (o pico do valor), mesmo com as amortizações, não deve estar muito feliz...

Outros fundos já deram – momentaneamente – errado ou sofrem atualmente. O Thera é um deles. Enfrentando uma alta vacância pós conclusão da obra o ativo chegou a ser negociado pela metade do valor do IPO. Teve até mesmo gente querendo levar o ativo inteiro para si, o que foi prontamente bloqueado por uma ação coordenada de quotistas (isto fica para outra carta); hoje a quota vale cerca de 30% a mais do que no IPO. O Edifício Galeria no Rio, localizado em ruas estreitas do Brasil Colonial, um dos mais belos prédios do Brasil – seus arquitetos são os mesmos que projetaram o Copacabana Palace, o Hotel Glória, o Palácio das Laranjeiras e a Central do Brasil – amarga uma forte vacância atualmente e vale em bolsa apenas 30% do que valia no lançamento. Risco ou oportunidade? Um pouco dos dois. Mas a localização dele dá um voto de confiança maior do que o Atlântico Office em Macaé; location, location, location, sempre!

Depois de contar histórias tristes e antes que você decida nunca mais investir em FIIs durante esta eclosão pandemônica; quais aprendizados positivos que ficam? As mensagens são simples. Mais gente já ganhou dinheiro com imóveis do que perdeu. O importante é lembrar que negócios possuem incertezas. Idéias ótimas dão errado ou são mal implementadas, concorrentes aparecem do nada, substitutos surgem de forma disruptiva e mesmo países quebram. Me assusto quando vejo gente escolhendo os fundos no mercado usando apenas o critério simplista do yield mensal. Se o yield está alto, desconfie! “laranja madura na beira da estrada ou está bichada Zé, ou tem marimbondo no pé” já dizia velha canção. Avalie o ativo, sua localização, o município, os inquilinos, as demonstrações financeiras e por fim o gestor. Escolhendo bem você tem mais chance de ganhar dinheiro do que de perder.

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[1]O título remete a um filme da Disney feito em 1989 chamado “Querida, Encolhi asCrianças” onde um cientista acidentalmente encolhe os seus próprios filhos. Àsvezes somos nós mesmos os responsáveis por encolher o nosso patrimônio. N. doA.

[2]O nome foi alterado a pedido do investidor

Felipe Guarnieri investe em FIIs desde 2009. É administradorde empresas pela FGV-EAESP, trabalha como consultor de estratégia empresarialna Zheta Planejamento, é membro do GRIFI (Grupo de Investidores de FundosImobiliários) e membro do comitê de quotistas do BCFund desde 2015, o maior fundode lajes corporativas do Brasil

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